
HAVEMOS DE VOLTAR
Havemos de voltar
na primeira fragata, feita ao vento,
e atracar no teu cais,
num Tejo de gaivotas e salinas.
Havemos,
olhos de água,
de chorar outra vez,
encostados às tuas palmeiras,
de sorver a água fresca dos teus poços,
cheirar a caruma dos pinhais,
dormir outra vez, no ladrilho fresco
das tuas casas baixas
e inventar noutro tempo
a mulher moura
que nos deu de beber.
Havemos de voltar,
como reis, outra vez em ti,
refugiados da peste,
fugidos de Lisboa.
E havemos,
em cada fluxo da maré
cheirar a maresia
e colher, das caldeiras e sapais,
o camarão e a ostra,
o perfume do peixe fresco
nos nossos pratos de barro ocre.
Havemos de voltar
com projectos de jardins, flores e quintais.
E levantarmos, outra vez, o Pelourinho
e cantaremos,
nas praças abertas,
no meio de laranjeiras e couvais.
Havemos de voltar,
com todos os barcos postos no rio,
com música e danças nas muralhas e nos cais
limpos e enfeitados
para nos saudar.
Havemos,
havemos que sonhar.
José Lourival
in "Duas mãos de poesia". Edição da Cooperativa de Animação Cultural de Alhos Vedros (CACAV). 1990
Ilustração de José Lourival.