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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Poema do dia


HAVEMOS DE VOLTAR

Havemos de voltar
na primeira fragata, feita ao vento,
e atracar no teu cais,
num Tejo de gaivotas e salinas.
Havemos,
olhos de água,
de chorar outra vez,
encostados às tuas palmeiras,
de sorver a água fresca dos teus poços,
cheirar a caruma dos pinhais,
dormir outra vez, no ladrilho fresco
das tuas casas baixas
e inventar noutro tempo
a mulher moura
que nos deu de beber.

Havemos de voltar,
como reis, outra vez em ti,
refugiados da peste,
fugidos de Lisboa.

E havemos,
em cada fluxo da maré
cheirar a maresia
e colher, das caldeiras e sapais,
o camarão e a ostra,
o perfume do peixe fresco
nos nossos pratos de barro ocre.

Havemos de voltar
com projectos de jardins, flores e quintais.
E levantarmos, outra vez, o Pelourinho
e cantaremos,
nas praças abertas,
no meio de laranjeiras e couvais.

Havemos de voltar,
com todos os barcos postos no rio,
com música e danças nas muralhas e nos cais
limpos e enfeitados
para nos saudar.
Havemos,
havemos que sonhar.

José Lourival

in "Duas mãos de poesia". Edição da Cooperativa de Animação Cultural de Alhos Vedros (CACAV). 1990
Ilustração de José Lourival.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Poema do dia


As fotografias

Era quase no inverno aquele dia
Tempo de grandes passeios
Confusamente agora recordados -
A estrada atravessava a serra pelo meio
Em rugosos muros de pedra e musgo a mão deslizava -
Tempo de retratos tirados
De olhos franzidos sob um sol de frente
Retratos que guardam para sempre
O perfume de pinhal das tardes
E o perfume de lenha e mosto das aldeias

in Dual de Sofia de Mello Breyner Andresen
Círculo de Leitores, Moraes Editores, Lisboa 1972

sábado, 17 de janeiro de 2009

Poema do dia


O POETA HEMOTRÁGICO

Estando um poeta à beira de um ribeiro,
ingeriu toda a tinta do tinteiro.
Então deu-lhe tremenda uma veneta
como se ele mesmo fosse uma caneta:

e enquanto digeria ele escrevia
- da poesia mantendo alta tensão -
tudo quanto em torrente ao coração
da sua veia poética afluía.

Se a tinta não gastar toda primeiro
e se uma indigestão o não afecta
ainda vai fazer um poema inteiro
com a pena hemotrágica o poeta.


in, Retratos à La Minuta, de José Colaço Barreiros. Lisboa 2006